segunda-feira, janeiro 08, 2007

 

Seu apelido : Maria...



Ninguém lhe sabia verdadeiramente a idade - talvez andasse pelos setenta anos, talvez menos. Fora uma mulher jovial, divertida, bem-disposta, sempre pronta a ajudar, a tomar conta do afilhado ou doutras crianças, simbolizando decerto o filho que nunca tivera. Usava apenas dois nomes próprios, sem mais apelidos de familia. O pai nunca a perfilhara e a mãe morreu de desgosto , pouco depois do seu nascimento, abandonada pela familia. Uma madrinha a criou naquela pequena aldeia do sudoeste alentejano, onde os festivais eram bem outros que não os de hoje.
Maria foi à escola secundária, tornou-se catequista , frequentando regularmente a Igreja local; demasiadamente, diriam alguns. Daí a ter um caso com o padre da aldeia, foi um ápice. E o escândalo rebentou, na época.
Maria fugiu, fizeram-na fugir, para Lisboa, onde a conheci muitos anos mais tarde. Só , sempre só, dedicada ao afilhado e a algumas amizades. Comprara um apartamento e trabalhava num organismo público.
Um dia teve um acidente vascular-cerebral do qual foi recuperando lentamente. Voltou a casa onde era assistida e visitada pelos amigos. Não tinha familia, depois da morte da madrinha restavam apenas umas primas afastadas que moravam lá perto da aldeia onde nascera. Nunca falava do seu passado ou de situações antigas, calara sempre esses amores de sacristia , o caso abafado, a fuga.
O seu estado de saúde foi-se degradando até que teve de ser internada num lar; foi perdendo gradualmente a memória e a capacidade de falar, embora reconhecesse as pessoas amigas que ainda a visitavam. O seu segredo nunca mais será revelado.
Apenas contou ao afilhado, quando ainda falava, que antes da doença , avistara na rua o ex-padre, seu amor de toda a vida, acompanhado pela mulher e os filhos. Maria calou-se , então, para sempre...

Comments:
estyranhas histórias que tu conheces... Decerto sabes bem escutar e ver para além daquilo que te contam!

Se as pedras da minha aldeia falassem , quantas lemórias não iriam desencantar por ali.

Um abraço
 
é verdade , avelana

esta história de Maria tocou-me porque ela está num Asilo/Lar sem falar, sem actividade, sem carinho. Fizeram-na calar em tempos idos e afinal é maios uma história de amores não resolvidos que a levou a este estado de prefunda afazia. Enquanto o padre casava com outra...
 
Que história triste.
Afinal o padre parece-me o mais culpado de toda a história.
 
Nem de propósito, querida Greentea!
Toda a gente conhece vitimas desta tragédia. Ate quando?
Bjicos
 
Tanta injustica que ha no Mundo....
Beijinhos
 
Paixões proibidas , romanceadas ou reais, são sempre inspiradoras.

Um abraço e votos de Bom Ano.
 
Querida Amiga Greentea,

Esta história vem marcada a ferro e fogo pelo preconceito e pela ignorância. Há muitas outras ainda bem piores.

Exemplo:

Em tempos mais recuados (não tantos quanto isso) uma mulher simples e com vida difícil de desamor, de trabalho e com três filhos, dependendo economicamente do marido para sobreviver, tinha uma vida de semi-probleza. Muita ginástica orçamental, muitas discussões e humilhações por causa de dinheiros que eram "desviados" para outros fins, viu-se grávida, por quatro vezes. A ignorância sobre meios anticoncepcionais e o peso da religião assim o ditavam.
Viu-se obrigada, por quatro vezes, a recorrer ao aborto, como meio de sobrevivência dos três filhos já existentes.

Caíu na asneira de se ir confessar. Na confissão contou a verdade sobre os quatro abortos. O padre ter-lhe-á dito, mais palavra menos palavra: "O quê? A senhora matou quatro seres e não mais terá perdão...". Óh peso dos pesos. Carregou aquela falta durante mais de 50 anos.

Conhecedor daquela história, vendo-a cansada e triste permanentemente, um dos filhos conhecia um padre de ideias mais arejadas que a confessou e ter-lhe-á "perdoado" esses "pecados".

Pouco tempo teve para usufruir daquela renovada paz. Pouco tempo depois foi detectada uma doença incurável à qual conseguiu resistir durante 5 anos, falecendo em grande sofrimento.

A história triste que contaste e esta outra que eu revelei, mostram como os preconceitos e o condicionamento das mentes podem provocar grandes sofrimentos. Bem como a ignorância, claro.

Só quando temos uma mente perfeitamente em paz, sem rotular as coisas apressadamente, e quando somos capazes de ouvir aquela voz que nos diz que somos muito mais que as nossas circunstâncias, a história da nossa vida ou os "filmes" que fazemos na nossa mente, é que estaremos em condições de começar a libertarmo-nos de tanta ignorância e sofrimento.

Um grande abraço

José António
 
Greentea, eu adoro o teu blog e o que escreves, mas hoje seguindo o teu post vim ver os comentarios deste e queria so pedir umas palavrinhas ao jose antonio.

Caro Jose,

Nao sei como o meu ultimo post no meu blog virou nos comentarios uma disputa sobre o referendo ao aborto. Se fosses ate la iluminar a cabeca do manuel com a tua sabedoria, agradecia. Eh que eu sou muito ma a criar argumentos, especialmente para explicar algo que eu considero simples e claro como agua.

Ja agora, o pedido fica a quem o desejar.

Mil beijinhos a todos e obrigado
 
ah... edicoesbanais.blogspot.com
 
optei por não responder directamente a ninguém . No entantio a história do jose antónio tocou-me profundamente e a ela faço referencia no post seguinte; respondo à aenima no blog dela, detalhadamente e acho que estes e outros casos merecem publicação mais destacada. Estamos todos calados , porquê?
 
Estamos todos calados se calhar porque nos estamos todos a lembrar de histórias parecidas, de amores não vividos, da estória do José antónio, sei lá...

Olha, eu estou a pensar em 11 de Fevereiro...
 
Estamos todos calados se calhar porque nos estamos todos a lembrar de histórias parecidas, de amores não vividos, da estória do José antónio, sei lá...

Olha, eu estou a pensar em 11 de Fevereiro...
 
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