quarta-feira, julho 19, 2006

 

Rua Nova do Almada - Lisboa

Descendo hoje a Rua Nova do Almada, reparei nas costas do homem que a descia adeante de mim. Eram as costas vulgares de um homem qualquer, o casaco de um fato modesto num dorso de transeunte ocasional. Levava uma pasta velha debaixo do braço esquerdo, e punha no chão, no rythmo de andando, um guarda-chuva enrolado, que trazia pela curva na mão direita.


Senti de repente uma coisa parecida com ternura por esse homem. Senti nelle a ternura que se sente pela vulgaridade humana, pelo banal quotidiano do chefe de familia que vae para o trabalho, pelo lar humilde e alegre d'elle, pela inocencia de viver sem analysar, pela naturalidade animal d'aquellas costas vestidas.

Ora as costas d'este homem dormem. Todo elle, que caminha adeante de mim com passada egual à minha, dorme. Vae inconsciente. Vive inconsciente. Dorme, porque todos dormimos. Toda a gente é um sonho. Ninguém sabe o que faz. Dormimos a vida inteira, eternas creanças do Destino. Porisso sinto uma ternura informe e immensa por toda a humanidade infantil, por toda vida social dormente, por todos , por tudo.

Livro do Desassossego - Bernardo Soares

Fotos: http://por-um-fio-invisivel.blogspot.com/

Nota: Há meses atrás fiz um desafio com a Por um Fio, em que publicámos posts de diversos livros de Eça, sem nada combinado previamente. Ela tem fotos maravilhosas e hoje lembrei-me de ilustrar os devaneios de Pessoa , com essas imagens. Qual o meu espanto quando vejo que também ela está a "reeditar" o Desassossego dando-lhe uns tons como só ela sabe!!! Não percam.


Comments:
Confesso q, infelizmente, este é um heterónimo de Fernando Pessoa cuja obra desconheço. Mas estou a gostar de ler aqui, onde é acompanhada por imagens tão bonitas. Acho q ele sabia bem passar para o papel o q vai na alma humana. Beijitos.
 
tb estou a gostar de reler e mais surpreendiida fiquei qd vi que a t. estava tb a reler o Desassossego e a ilustrar sabiamente como só ela consegue.
beijinhos, xica
 
sauidades tb, grhiba

de uma rua que eu subia todas as manhãs, de um chiado diferente, duma Brasileira com outros convivios, sons e tons que esvoaçam e de desfazem...
em Lisboa.
 
Cara Amiga greenta,

Sintra, onde está instalada há tanto tempo que a sei. Foi em S. Pedro que num longínquo ano fiz ainda o exame da 4ª. classe (nessa altura ainda se fazia exama).

Sintra onde me perco, por veredas, locais de grande energia e aquela neblina que tudo encobre.

Quanto ao texto de Fernando Pessoa, talvez ele quisesse dizer que toda a humanidade sen encontra "meio a dormir". Quando olhamos para o nosso país e para todos os outros países do planeta Terra, ficamos tirstes, mudos, a sangrar por dentro.

O que fará com que o buraco do ozono alastre e as condições climatéricas se alterem, no sentido de a Terra reencontrar o seu equilíbrio, mas com péssimas consequências para os homens? O que fará com que por desejo de poder, despudor, fanatismo, se construam guerras intermináveis, umas ditas "santas" outras de "limpeza étnica" ou os "efeitos colaterais" sejam o que menos interessam?

Porquê tanta mentira; tanta "conversa fiada", tanta brutalidade?

Porquê tanta manipulação psicológica feita através dos meios de comunicação social, senão para adormecer e condicionar as pessoas?

Não será tudo isto fruto da ignorância? De não se saber onde se está, para onde se vai ou o que estaremos aqui a fazer?

De não se ter bem interiorizado que os limites do homem são esses mesmos, ele ter apenas um centelha divina mas não é quem manda na Natureza, nem pode dispor dela a seu belo prazer?

Daí o F Pessoa falar daquela espécie de "alheamento" com que a maior parte das pessoas andam, sem nada saberem, sem nada querem saber, cada um tratando da sua "pequena vidinha" e os outros que se lixem, não se dando conta desta imensidão em que estão mergulhados e onde todos dependemos de todos...

Um grande abraço.

Obrigado pela sua partilha , pelas fotos e pela lucidez dos textos que vai postando nesta sua "casa".

É na partilha que o homem tem a sua dimensão extraordinária (é um animal social, dizia-se. Sem ela, até pode ser um génio, mas ficará certamente aquem de todas as suas potencialidades.

Um bom resto de semana.

Um abraço.

José António.

PS:
Desculpe este comentário um pouco longo.
 
Se calhar já nos cruzámos neste Chiado encantador. Gosto mais de Eça do que de Pessoa, cada um tem a sua opinião.
Beijos
 
Como não me canso de dizer, Pessoa é a minha paixão. Tudo o que ele escreveu calou e cala bem forte no meu coração. E assim será até o último dos meus dias.
Abração
 
Adorei seus comentários no meu blog e ver que alguém mais tem as mesmas lembranças da aldeia como eu...e a jarra era de vidro realmente e fazia um lindo conjunto com os copos onde pequenos pássaros apoiados num galho os tornavam delicados.
Abraços da Pitanga e volte sempre.
 
isabel, josé antónio

anadamos todos adormecidos alheados porque quase sempre preferimos nem saber
é assim há muito tempo, seria assim tb na época de Fernando , de Bernardo, quando os guarda-livros se escondiam atrás de copiadores de enormes dimensões escrevinhando as contas de um qualquer patrão Vasquez, olhando a janela se tivessem o preivilégio de se sentar perto dela...de vez em quando.

Pelos vistos temos percursos comuns : Isabel no Campo de Santana onde a minha avó morava;
José António por S. Pedro a fazer exame de 4ª classe, que tb a fiz não aqui mas noutras paragens . e admissão ao liceu no Filipa de Lencastre ao Arco do Cego ...tão apavorada com aquele ambiente todo que pedi para ir à casa de banho e depois não queria sair mais de lá!!
Afinal fiquei Distinta!
Beijos.
 
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
 
anamoris

agora raramente passo no Chiado mas durante tres anos subia e descia o Chiado todas as manhãs, passando sempre pela Brasileira de então, pela Bertrand onde todos os dias se procuravam novos livros, vagueando pela cidade que despertava;
em miuda adorava qd a minha mãe me levava às compras e iamos aos Armazéns do Chiado, ao Grandela e outros sitios hoje totalmente desaparecidos.
Gosto muito de Eça, gosto muito de Bernardo Soares e do Desassossego; a Poesia de Fernando Pessoa não me diz tanto...
 
Olá, Greentea!
Tão giro ver-te pegar neste texto! Adoro este texto e adoro ver as minhas fotografias lado a lado com ele. Sabes que este era um dos textos que eu ia proximamente publicar? Mas é muito bom, ver e sentir que há outras pessoas no mundo com a mesma sensibilidade...
É muito gratificante sentir que somos «cúmplices» em coisas tão bonitas quanto os sentimentos humanos, uma cidade tão bonita quanto Lisboa, um grande sentido estético.
Vamos continuar a surpreendermo-nos uma à outra. Vamos a isso!
Quanto às minhas fotografias, sente-te à vontade para as usar...
Um beijo
 
leticia

aqui estamos para o ler e reler

um abraço tb
 
pitanga

conheço esses copos com o pássaro e a ramagem, o jarro tb; por vezes eles tb levam esse tal jarro de vidro que é maior, mas qd está menos gente à mesa vai o cantaro de barro pintado com florinhas...
 
PARA A t.

fico pasmada porque o Livro do Desassossego não é de leitura muito habitual e nem todos o conhecem...pegueio nele nuns dias de férias e lembrei-me de ir buscar algumas passagens q tinha já sublinhado.
Depois veio-me à ideia fazer outros "passeios" tal como já tinhamos feito com Eça e foi tão divertido , tão construtivo encontrarmo-nos nesses posts ora agora digo eu , ora agora dizes tu...
mas chegar hoje ao teu blog e ver o Desassossego publicado por ti - nem queria acreditar e hoje este mesmo texto ? Ele há coisas!!!!
um beijo.
De certeza irei l´buscar mais fotos de Lisboa, claro.
 
Não sei se me repito porque tenho estado a tentar deixar aqui um comentário, que me pareceu ficou "entupido". Acho uma graça à transmissão de pensamentos entre ti e a T a respeito de certos temas.
 
FOTOESCRITA

o mais engraçado é que NUNCA combinámos nada nem qd foi do Eça e muito menos agora sobre o Desassossego ...até nem nos visitávamos faz tempo, eu estive uns ddias de férias, ela não sei e hoje ...foi assim

É um espanto, uma graça isto acontecer.
 
Arrasas, vixe! E Pessoa, então, escandaliza. Li as obras completas, agora acharam mais coisas, em 1968. Até hoje não me esqueço de vários de seus poemas, dos seus heterônimos.

És como algumas canções do Caetano Veloso. Uma calma só.
 
Que momentos maravilhosos estou tendo por aqui!
 
Gosto de passear nestas imagens e na prosa do Fernandinho...gosto da paz de vir aqui. Beijinho
 
O Livro do Desassossego, à tua imagem, transborda do teu blog para os dos amigos que visitas.

Bjos.
 
son las calles que yo me encontrare con Pessoa y me envolvera en versos
hermoso Lisboa que algun dia llegare a abrazar
un abrazo muy grande y FELIZ DIA DEL AMIGO
besitos y que sea un bello dia


besos y sueños
 
tina


bem que gostaria de ser uma calma só

e o barquinho vem e o barquinho vai ...que não sei se é de Caetano mas creio q não...
 
ghiza


ainda bem que assim é

de calma desassossegada precisamos todos.
 
maria


ainda bem q assim é

para ver se andamos todos um pouco mais desassossegados...
 
Ainda bem que tu e T tiveram a mesma ideia, vale a pena revelar obras destas e de autores portugueses.. Bjhs
 
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