terça-feira, janeiro 10, 2006

 

O lenço vermelho

Marquei a reunião para as 9H. Jantei à pressa e deixei-os em casa. Agradou-me ir saír àquela hora, apesar da noite e do frio e da casa dela ficar num local de certo modo isolado. Cheguei a horas, eu que raramente sou pontual . Foi ela mesmo quem abriu a porta e me fez entrar para a sala.
Na primeira impressão , custou-me olhar para ela. Um rosto bonito, olhos claros, expressivos, jovens ainda. Inês é médica, passa dos quarenta e está a fazer quimioterapia porque tem cancro da mama.
E hoje trazia um lenço amarrado à cabeça, porque o cabelo caíu, não foi rapado para concorrer a um qualquer concurso, para actuar num qualquer espectáculo... Inês estava completamente careca, o cranio reluzia por debaixo do lenço vermelho e alguns fiapos de cabelos, muito raros aqui e além, surgiam por vezes.
Por isso me custou olhá-la de frente.
Fiz um esforço, por mim , por ela. Mas até as palavras se me enrolavam na garganta, o raciocinio paralizava.
Demorámo-nos a mexer nos papéis, que era preciso ver com atenção, analisar cuidadosamente.
O diálogo surgiu, as dúvidas dissiparam-se e por fim , quando já nos tinhamos despedido ficámos à porta a conversasr como quaisquer outras duas mulheres, com um à vontade como se nos conhecessemos desde sempre.
Inês falou da doença, do esforço, da luta que tinha de fazer para acreditar, da sua luta com os colegas, os médicos que a queriam tratar ou (des)tratar , da sua ligação com os doentes, das possibilidades que tinha , das carreiras médicas, do stress a que são sujeitos nos hospitais para produzirem - consultas, operações , tratamentos, internamentos... Da inexistência de uma unidade de investigação , para a mama, para o colon, para tudo. Da revolta que isso lhe trouxe, lhe traz. Falou do ex-marido, que a deixou porque trabalhava demais e arranjou uma que não faz nada, pouco letrada, como convém...
Consegui fazê-la sorrir, consegui que transformasse a raiva em energia benéfica, consegui suavisar a sua dor e já noite fora enviei-lhe aquela Luz que cura, e pensei que na próxima vez lhe puderia levar o CD de "Meditação" do Dr Brian Weiss, para ouvir enquanto faz as sassões de quimio. Que bom ter marcado a reunião para a noite, pensei, quando regressava a casa, já bem tarde e todos dormiam. O cão estava à minha espera!

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